Manifesto
É possível mudar o mundo com palavras
As palavras não servem apenas para descrever o mundo — elas têm o poder de transformá-lo. Cada frase que escolhemos dizer ou escrever molda a forma como enxergamos a realidade e, mais ainda, como decidimos habitá-la. Toda transformação começa com uma nomeação. Cada injustiça só se torna visível quando alguém ousa dar-lhe um nome. E é a partir dessa nomeação que a mudança se torna possível.
Por isso, afirmar que é possível mudar o mundo com palavras não é metáfora nem exagero — é uma declaração ética e uma escolha de método. A linguagem não é apenas uma ferramenta; ela é o território onde se travam as disputas mais profundas do nosso tempo: a do sentido, a da memória, a da dignidade e a da possibilidade. Quem domina a palavra molda o mundo. E quem abdica dela, abdica também do seu lugar na história.
Este manifesto é da Virada Lusófona®, mas pertence a todos os que amam a complexidade da literatura e recusam a tentação do simplismo. A todos os que compreendem que a linguagem não é um adorno, mas uma estrutura viva de pensamento, um campo de batalha onde se decide o futuro. A literatura não serve apenas para entreter ou distrair. Ela é o lugar onde as contradições humanas se encontram, onde o sofrimento ganha forma e o futuro encontra linguagem para ser dito antes de existir.
Vivemos um tempo marcado por ruídos, por frases curtas, por enunciados rasos. Mas não é com slogans que vamos curar as feridas abertas. Precisamos de narrativas capazes de sustentar a ambiguidade, de dar espessura ao real, de reconectar o humano ao seu próprio sentido. Ler não é um gesto passivo. É um compromisso com a escuta. Escrever não é um exercício de vaidade. É um ato de coragem. Publicar não é uma estratégia de marketing. É uma forma de tomar posição no mundo.
Cada pessoa que se aproxima de um livro encontra ali não apenas um espelho, mas um desafio. A literatura não responde às nossas perguntas — ela as amplia. E ao fazer isso, nos obriga a repensar o que somos, o que aceitamos como verdade, e o que escolhemos ignorar. Há quem veja nisso um labirinto. Nós vemos um caminho.
Na língua portuguesa, espalhada por vários continentes, pulsa a força de uma memória plural e de uma imaginação ainda por explorar. É uma língua marcada por encontros, conflitos, diásporas e resistências. Mas é também uma língua que, quando colocada a serviço da justiça e da beleza, pode ligar mundos que a história tentou separar. Cabe a nós decidir se vamos usá-la como instrumento de dominação ou como ponte de escuta e criação coletiva.
A Virada Lusófona® nasce desse desejo de reocupar a palavra como espaço de cidadania, como gesto de hospitalidade, como tecnologia da esperança. Durante 24 horas, mostramos que a literatura ainda pode ser um eixo de regeneração cultural. Mas queremos mais. Queremos que ela seja um modo de existir. Que seja parte da vida, da política, da economia, da educação, da cidade. Que se torne ferramenta de reinvenção do comum.
Se o mundo está em crise, é também porque a linguagem está em crise. E não haverá futuro possível sem uma nova gramática do cuidado, da empatia e da imaginação radical. Não se trata apenas de dizer coisas belas. Trata-se de dizer o que precisa ser dito com a profundidade que o tempo exige.
Por isso, dizemos com clareza: mudar o mundo com palavras é possível. E necessário. Mas só se mudarmos, com elas, a forma como olhamos para nós mesmos e para os outros. Só se aceitarmos que, diante da palavra, cada um de nós é responsável pelo mundo que ajuda a criar.
Este manifesto é o início de uma travessia. Ele não fecha, abre. Não encerra, convoca. Porque o mundo pode ser salvo, sim — se voltarmos a escutá-lo com os ouvidos atentos da literatura, se o escrevermos com a tinta viva da nossa responsabilidade coletiva, se o lermos com o espanto renovado de quem ainda acredita.
José Manuel Diogo
Maio 2025
Curador


LITERATURA EM MOVIMENTO